TODAS AS FORMAS DE PEDALAR VALEM A PENA, SÃO VANTAJOSAS, COMPENSAM, SÃO ÚTEIS.
Não nos referimos apenas aos benefícios pessoais, mas também aos sociais e ecológicos. Pedalar para ir ao trabalho, à escola e à casa do namorado é rápido e cômodo; a bicicleta é eficiente e prática para brincar, para exercitar-se e para espairecer. Além disso, também desafoga o trânsito e não empesteia o ar. Seja de barra forte, de BMX ou de triciclo, seus condutores estão demonstrando a viabilidade do ciclismo para a vida social e para o bem-estar ambiental. Que custe 150 mangos ou 14 mil dólares, a bicicleta, na rua, exprime o direito, escrito mas ainda não de todo aplicado, de movimentar- se nos espaços públicos sem constrangimentos.
Por isso é uma pena, é lamentável, é digno de compaixão, dá dó mesmo ver tantas pessoas estagnadas no trânsito, remoendo a raiva de ainda não terem chegado em casa e crentes de que o congestionamento são os outros! A realidade poderia ser diferente: as vias locais poderiam ser um espaço tranquilo e de convívio entre todas as modalidades e as vias de ligação poderiam dar fluidez ao transporte coletivo. As janelas das casas não precisariam permanecer fechadas para abafar o ruído de tantos motores imóveis e de tantas buzinadas inúteis. Com tanta ciência e tecnologia, com tanto conhecimento e imaginação, é patético constatar tantas pessoas iludidas de que uma pista a mais aqui e um viaduto a mais ali resolverão, enfim, final e definitivamente, os problemas de trânsito da cidade!
O mais duro é que esta pena, este sofrimento, este martírio, este tormento diário e cotidiano é chamado de progresso, é considerado índice de desenvolvimento de um lugar. Mais carros significam, para a mentalidade tecnoeconomicista, mais pessoas bem-sucedidas. Pátios de montadoras lotados denotam que o povo está com pouca grana. Já as ruas lotadas são sinal de economia aquecida. O Governo Federal diminui os impostos para atender as montadoras, a mídia glamouriza o modo de vida motorizado e o indivíduo reverbera aqui embaixo: “Eu padeço aqui engarrafado, mas com ar condicionado e DVD a bordo. E aqueles ali, amontoados no ônibus, devem reclamar para a prefeitura, porque eu não tenho nada a ver com isso”.
Essa situação não deixa de ser uma pena, um castigo, uma punição, uma penitência imposta a uma sociedade que não acredita na democracia. Ao contrário de buscarem participar, as pessoas preferem entregar o poder de todas as decisões que vão recair sobre suas cabeças a alguém mais famoso ou com campanha eleitoral mais lustrosa. Cidadãos reduzidos, quando muito, a eleitores – no mais das vezes, a apertadores de botões de urna. Ao invés de buscar conhecer as leis, de exigir espaços constantes para o planejamento urbano e de apoiar as instituições civis que tentam influenciar a adoção de políticas públicas igualitárias, o cidadão médio se desobriga disso tudo em nome do seu conforto. Enquanto isso, o mercado, o capital, as corporações, os investidores passam as diretrizes de governo, dentre as quais não constam nenhuma a favor de pedestres e de cadeirantes.
Por isso muitos ciclistas revelam pena, amargura, pesar, desgosto ao tratar da mobilidade urbana. Defendem a humanização das cidades, falam em nome das crianças que querem ir para a escola sem depender dos pais e enaltecem as velhinhas que dão exemplo para a marmanjada – mas são tratados como entraves para o desenvolvimento, como desordeiros ou como ETs. Não é de ficar triste? Tudo o que querem, estes ciclistas, é pedalar em paz e sem serem ameaçados, mas sabem que isso somente será conquistado quando a sua modalidade deixar de receber apenas as migalhas do orçamento público. Dá pra se conformar com isso? Arriscam sua pele e seus ossos, por gosto ou por necessidade, ocupando um mínimo espaço, e são acusados de atrapalharem o trânsito. É pra acabar!
De sorte que tais ciclistas compreendem seu papel para fazer das cidades um lugar melhor de se viver – e o fazem com alegria e disposição. E um dia, quiçá, todo mundo reconhecerá isso, confirmando que vale a pena pedalar. Existem muitas formas de dialogar com a sociedade para convencê-la de que um mundo viável para todos é um mundo ao alcance da bicicleta (evidentemente que, devido às dimensões do mundo, em integração com todos os demais veículos); mas a principal dessas maneiras é pedalar, ocupar os espaços, demonstrar pelo exemplo – e, evidentemente, usufruindo das vantagens de fazê-lo.